Tipos de tema - redação em vestibulares

O professor Francisco Platão Savioli, supervisor de Língua Portuguesa do Curso Anglo Vestibulares, de São Paulo, costuma dividir os temas em três áreas básicas:

Temas com foco inicial no próprio indivíduo (como felicidade, sofrimento, altruísmo);
A relação do indivíduo com os outros (temas sociais como justiça e direitos civis, violência, trabalho, inclusão social);
A relação humana com o ambiente natural (temas como desmatamento, biodiversidade, sustentabilidade ambiental, efeito estufa, desastres).

Para Platão Savioli, qualquer que seja o tema, ele deve ser abordado objetivamente em um dissertação - "Por exemplo, se o tema for amizade (Fuvest/2007), o candidato deve trabalhá-lo como um objeto de investigação. Não é para escrever coisas como 'a amizade faz parte da minha vida, sem ela a minha vida seria vazia', isso não é dissertação".

NAS TELAS, PARA REFLETIR


IMIGRAÇÃO

"Biutiful" (2010), do diretor mexicano Alejandro Iñárritu, mostra a exploração de imigrantes africanos e chineses na Espanha;
"Território Restrito" (2009), de Wayne Kramer, aborda a entrada de imigrantes ilegais nos EUA;
"Bem-Vindo" (2009), de Philippe Lioret, trata da política migratória europeia;
"Entre os Muros da Escola" (2008), de Laurent Cantet, discute as dificuldades de jovens imigrantes em se inserir na sociedade francesa.

VIOLÊNCIA URBANA

"Cidade de Deus" (2002), de Fernando Meirelles, retrata a transformação da comunidade em uma perigosa favela;
"Ônibus 174" (2002), de José Padilha, narra a trajetória de Sandro do Nascimento, que manteve passageiros do ônibus como reféns;
"Tropa de Elite" (2007) e "Tropa de Elite 2" (2010), de José Padilha, retrata a crueldade e a violência envolvendo o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), no Rio de Janeiro.

GLOBALIZAÇÃO E CRISE ECONÔMICA

"Amor sem escalas" (2009), filme ligado diretamente à crise econômica que atinge os EUA e a União Europeia desde 2008;
"Babel" (2006), de Alejandro Iñárritu, narra a interdependência entre os acontecimentos, típica da globalização e o modo como elas afetam a vida das pessoas;
"Encontro com Milton Santos ou o Mundo Global Visto do Lado de Cá" (2007), de Silvio Tendler, sobre globalização e como sua imposição prejudica os países mais pobres.

DIREITOS DE GÊNERO

"Milk", sobre a luta pelos direitos civis homossexuais nos EUA nos anos de 1970;
"Filadélfia", (1993), de Jonathan Demme, recoloca a questão homossexual com a eclosão da aids nos EUA nos anos 1980;
"Anjos Rebeldes" mostra a luta das mulheres norte-americanas para conseguir o direito de voto, no início do século.

CAPITALISMO

"Tempos Modernos" (1936), com Charles Chaplin, sobre a lógica trabalhista;
"Segunda-feira ao Sol", do espanhol Fernando Léon de Aranoa, traz à tona as tragédias pessoais do desemprego;
"The Corporation" (2003), documentário que apresenta uma série de entrevistas sobre a ética (ou a falta dela) no meio empresarial.

TERRORISMO

O assassinato do líder da rede Al Qaeda, Osama Bin Laden, em 1º de maio de 2011, e a passagem de dez anos do ataque às torres do WTC, em NY, em 11 de setembro de 2001, tornam o terrorismo um tema possível nas provas, a ser explorado por diferentes ângulos. 
"As Torres Gêmeas" recria a tragédia humana do atentado;
"Paradise Now", do cineasta palestino Hany Abu-Assad. Filme bastante premiado, narra a convocação de dois palestinos para atuarem como homens-bomba em Israel e tem como tema os limites da ação política e suas implicações na realização do ser humano.

QUESTÃO NUCLEAR

"A Síndrome da China" compara a atuação da imprensa e do governo do Japão e dos EUA em episódios semelhantes;
"Rapsódia em Agosto" (1991) aborda a questão nuclear não na produção de energia, mas como uso militar, e lostra as consequências e memórias da explosão das bombas atômicas no Japão.

INTOLERÂNCIA

"Crash - no limite" (2004), de Paul Haggis, mostra como o preconceito aparece no encontro cotidiano de pessoas de diferentes origens e classes sociais em L.A.;
"Faça a Coisa Certa" (1989), de Spike Lee, narra uma situação que desencadeia em preconceitos étnicos em NY;
"A Onda" (2008), de Dennis Gansel, mostra um professor de uma escola alemã simulando um regime autoritário dentro da sala de aula para convencer seus alunos de que eles ainda não estão livres da ameaça do nazismo.

MEIO AMBIENTE

"Uma Verdade Inconveniente" (2006), de Al Gore, é um documentário que apresenta problemas ambientais de forma didática;
"Home" (2009), de Yann Arthus-Bertrand, também documentário que traz imagens de tirar o fôlego e pode ser visto na internet: www.youtube.com/homeproject;
"Avatar" (2009), de James Cameron, adota em enredo futurista para debater a exploração descontrolada dos recursos naturais;
"Wall-E" (2008), animação dirigida por Andrew Stanton, também se passa no futuro e mostra em tom de fábula como a poluição tornou a vida insustentável na Terra.

Fonte: Guia do Estudante, Redação Vestibular 2012

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Resumo de "Capitães da Areia" - Jorge Amado

O romance, que retrata o cotidiano de um grupo de meninos de rua, procura mostrar não apenas os assaltos e as atitudes violentas de sua vida bestializada, mas também as aspirações e os pensamentos ingênuos, comuns a qualquer criança


O romance “Capitães da Areia” começa com uma reportagem fictícia intitulada “Crianças ladronas”. A matéria narra minuciosamente um assalto à casa de um rico negociante, o comendador José Ferreira. De acordo com o texto, o crime fora praticado pelos Capitães da Areia, descritos como “o grupo de meninos assaltantes e ladrões que infestam a nossa urbe”.

Depois da reportagem, a introdução apresenta uma sequência de cartas de leitores do jornal. As duas primeiras são, respectivamente, do secretário do chefe de polícia (que atribui ao juiz de menores a responsabilidade pelos atos criminosos dos Capitães da Areia) e do juiz de menores (segundo o qual a tarefa de perseguir os menores é do chefe de polícia).

A carta de uma mulher, cujo filho estivera preso no reformatório, narra os horrores que eram praticados ali contra os menores infratores. Outra, do padre José Pedro (importante personagem e aliado dos garotos injustiçados), confirma a denúncia anterior, citando sua experiência no reformatório. O padre visitava o local para levar conforto espiritual aos meninos. A última carta – e a última palavra –, porém, é a do diretor do reformatório. Em seu texto, o diretor nega os maus-tratos dispensados aos menores na instituição que dirige, o que é uma hipocrisia, como se poderá observar no decorrer do livro.

Essa forma de início da obra é eloquente. Pode-se ver, na recriação literária de matérias jornalísticas, a tentativa de dar à história do grupo de meninos um caráter verídico e, ao mesmo tempo, demonstrar o que há de ficção nas reportagens publicadas. Ou seja, apesar de ser um romance,
 Capitães da Areia revela uma situação social real. De outro lado, as notícias veiculadas pela mídia, que muitas vezes atendem aos interesses das classes sociais mais ricas, podem estar permeadas de elementos mentirosos.

O descaso social com os meninos de rua é a tônica do romance. Em todos os capítulos, esse abandono é abordado, seja por meio da reflexão dos garotos ou da dos adultos que estão a seu lado, como o padre José Pedro e o capoeirista Querido-de-Deus, seja pelos sutis, mas mordazes, comentários do narrador.
 

NARRADOR


O romance é narrado em terceira pessoa, por um narrador onisciente (que sabe tudo o que ocorre). Essa característica narrativa possibilita que seja cumprida uma tarefa facilmente notada pelo leitor: mostrar o outro lado dos Capitães da Areia. O narrador, ao penetrar na mente dos garotos, apresenta não apenas as atitudes que a vida bestializada os obriga a tomar, mas também as aspirações, os pensamentos ingênuos e puros, comuns a qualquer criança. O narrador não se esforça por ser imparcial; participa com seus comentários, muitas vezes sutis, mas sempre favoráveis aos Capitães da Areia. 

ENREDO 


O enredo, sobretudo no início, tem a função de caracterizar os personagens. Pode-se dizer que busca apresentar os Capitães da Areia, revelando a personalidade de cada integrante do grupo, suas ambições e frustrações.

Dos vários capítulos que compõem o romance, alguns são particularmente significativos. Em “As Luzes do Carrossel”, o bando, conhecido pela periculosidade, esbalda-se ao brincar em um decadente carrossel. Desde o líder, Pedro Bala, passando pelos seus mais destacados membros, a grande maioria se diverte de forma pueril no velho brinquedo.

Essa passagem é importante por fazer o contraponto à opinião vigente na alta sociedade baiana em relação aos Capitães da Areia. A visão de que os garotos eram bandidos sem recuperação, que deveriam ser tratados de forma desumana no reformatório, é confrontada com essa situação. Ao mostrar os garotos divertindo-se no “Grande Carrossel Japonês”, o narrador mostra a essência dos personagens do livro. Pedro Bala e seus comandados são apenas crianças socialmente desamparadas.

Outro capítulo que merece destaque é “Família”. Aqui, é mostrada a carência afetiva de um dos membros do grupo, o Sem-Pernas. O menino manco tinha grande talento para a dissimulação, por isso se especializara na tarefa de espião do bando. Ele se infiltrava na casa de famílias ricas, apresentando-se como pobre órfão que pedia um lugar para morar. Quando obtinha sucesso na empreitada, observava onde os moradores guardavam seus bens valiosos e informava o bando, que, dias depois, invadia a casa e a roubava. 

AUSÊNCIA DA FIGURA MATERNA


Nesse capítulo, no entanto, Sem- Pernas é acolhido de forma sincera e amorosa pelos donos da casa, que o veem como o filho que havia morrido. Sem-Pernas vive então um conflito interno. Tratado como um verdadeiro filho, o garoto fica dividido entre a lealdade ao bando que o acolheu e os novos “pais” que lhe davam o carinho e o amor que nunca havia conhecido. Opta pela lealdade ao grupo, que invade e saqueia a casa.

Sem-Pernas é o personagem mais revoltado do bando, o integrante que menos demonstra capacidade de amar e de receber amor do próximo. Quando o narrador revela sua real necessidade de amor, acaba por transferir essa necessidade para todo o bando. Isso reforça a idéia de que são crianças para as quais falta a atenção das famílias e do Estado, e não simplesmente marginais que optaram por uma vida de crimes.

O capítulo “Dora, Mãe” deixa claro que os meninos, precocemente atirados à vida adulta, sentiam falta de uma figura materna que os embalasse e os consolasse. Os Capitães da Areia conheciam o sexo, praticado em geral com as “negrinhas do areal”. Por isso, quando Dora, uma menina de 13 anos, entra no trapiche em que vivem, todos a cercam com intenções libidinosas. Protegida pelo Professor, mas, sobretudo, por João Grande, Dora acabou conquistando o respeito dos meninos, que passaram a enxergar nela a figura materna havia muito ausente na vida deles. O primeiro a vivenciar esse sentimento é o Gato. Ao pedir a ela costure um caro paletó de casimira, sente as unhas de Dora em suas costas e lembra-se de Dalva, sua amante, mas logo reflete sobre a distinção: enquanto Dalva arranhava suas costas para despertar-lhe a libido, Dora o fazia apenas com o instinto materno de vê-lo bem vestido. O mesmo sentimento acaba sendo despertado em Volta Seca, Pirulito e nos demais Capitães da Areia, exceto o Professor e Pedro Bala. Este último iria amá-la, no futuro, como esposa. 

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Resumo de "Memórias de um Sargento de Milícias" - Manuel Antônio de Almeida

O romance de Manuel Antônio de Almeida, escrito no período do Romantismo, retrata a vida do Rio de Janeiro no início do século XIX e desenvolve pela primeira vez na literatura nacional a figura do malandro


Memórias de um Sargento de Milícias surgiu como um romance de folhetim, ou seja, em capítulos, publicados semanalmente no jornal Correio Mercantil, do Rio de Janeiro, entre junho de 1852 e julho de 1853. Os folhetins não indicavam quem era o autor. A história saiu em livro em 1854 (primeiro volume) e 1855 (segundo volume), com autoria creditada a “Um Brasileiro”. O nome de Manuel Antônio de Almeida aparecerá apenas na terceira edição, já póstuma, em 1863. 


ENREDO 

Por ser originariamente um folhetim, publicado semanalmente, o enredo necessitava prender a atenção do leitor, com capítulos curtos e até certo ponto independentes, em geral contendo um episódio completo. A trama, por isso, é complexa, formada de histórias que se sucedem e nem sempre se relacionam por causa e efeito.

“Filho de uma pisadela e de um beliscão” (referência à maneira como seus pais flertaram, ao se conhecer no navio que os conduz de Portugal ao Brasil), o pequeno Leonardo é uma criança intratável, que parece prever as dificuldades que irá enfrentar. E não são poucas: abandonado pela mãe, que foge para Portugal com um capitão de navio, é igualmente abandonado pelo pai, mas encontra no padrinho seu protetor. Esse é dono de uma barbearia e tem guardada boa soma em dinheiro.

A origem pouco digna desse capital – o barbeiro desviou a herança que um capitão moribundo deixara à sobrinha – só será revelada posteriormente. A fórmula “arranjei-me” sintetiza, no romance, a explicação dada pelo barbeiro para a posse do dinheiro. O autor acaba por dizer que muitos “arranjei-me”, equivalentes ao atual “jeitinho brasileiro”, se explicam assim, e estende essa representação de sua história a toda a sociedade da época.

As aventuras e desventuras de Leonardo, que o autor faz desfilar diante dos leitores com dinamismo, conduzem o protagonista a apuros dos quais ele sempre se salva, graças a seus protetores. Leonardo é um personagem fixo no romance, suas características básicas não mudam.
 


TEMPO 



A história se passa no começo do século XIX, ocasião em que a família real portuguesa se refugiou no Brasil. Por isso, o romance tem início com a expressão “Era no tempo do rei”, referindo-se ao rei português dom João VI. Essa fórmula também faz referência – e isso é mais relevante para entender a estrutura do romance – aos inícios dos contos de fada: “Era uma vez...”
 


NARRADOR 



Apesar do título de memórias, o romance não é narrado pelo personagem Leonardo, e sim por um narrador onisciente em terceira pessoa, que tece comentários e digressões no desenrolar dos acontecimentos. O termo memórias refere-se à evocação de um tempo passado, reconstruído por meio das histórias por que passa o personagem Leonardo. 


ORDEM E DESORDEM 



Duas forças de tensão movem os personagens do romance: ordem e desordem, que se revelarão características profundas da sociedade colonial de então.

A figura do major Vidigal representa o polo que, na história, cuida da ordem: “O major Vidigal era o rei absoluto, o árbitro supremo de tudo que dizia respeito a esse ramo de
 administração; era o juiz que dava e distribuía penas e, ao mesmo tempo, o guarda que dava caça aos criminosos; nas causas da sua justiça não havia testemunhas, nem provas, nem razões, nem processos; ele resumia tudo em si (...)”.

A estabilidade social representa a ordem, enquanto a instabilidade se refere à desordem. Dessa forma, o barbeiro, completamente adequado à sociedade, ao revelar as origens pouco recomendáveis de sua estabilidade financeira, evoca no seu passado a desordem.

Personagens como o major Vidigal, a comadre, dona Maria e o compadre pertencem ao lado da ordem. Mas os personagens desse polo nada têm de retidão, apenas estão em uma situação social mais estável.

O polo da desordem é formado pelo malandro Teotônio, o sacristão da Sé e Vidinha. A acomodação dos personagens, tanto na ordem como na desordem, está sujeita a uma mudança repentina de polo, ou seja, não existe quem esteja totalmente situado no campo da ordem nem no da desordem. Não há, portanto, uma caracterização maniqueísta dos tipos apresentados.

O major Vidigal, por exemplo, um típico mantenedor da ordem, transgride o código moral ao libertar e promover Leonardo em troca dos favores amorosos de Maria Regalada.
 


ROMANCE MALANDRO 



Nos estudos sobre a obra, houve uma linha de interpretação que, seguindo as indicações de Mário de Andrade, e tendo como base o enredo episódico do livro, classificou o romance como uma manifestação tardia do “romance picaresco”, gênero popular espanhol medieval dos séculos XVII e XVIII.

O gênero picaresco – do qual o mais ilustre representante é o romance
 Lazareto de Tormes – caracteriza-se por narrar, em primeira pessoa, os infortúnios de um pícaro, um garoto inocente e puro que se torna amargo à medida que entra em contato com a dureza das condições de sobrevivência. Por isso procura sempre agradar a seus superiores. O pícaro tem geralmente um destino negativo, acaba por aceitar a mediocridade e acomodar-se na lamentação desiludida, na miséria ou num casamento que não lhe dá prazer algum.

Nenhuma dessas características está presente em
 “Memórias de um Sargento de Milícias.

Leonardo não é inocente. Ao contrário, parece já ter nascido com “maus bofes”, como afirma a vizinha agourenta. Também não é totalmente abandonado, tendo sempre alguém que toma seu partido e procura favorecê-lo.

Ele ainda desafia seus superiores, como o mestre-de-cerimônias e o Vidigal. Por fim, Leonardo não encontra um destino negativo, pois se casa com o objeto de sua paixão (Luisinha, a sobrinha de dona Maria), acumulando cinco heranças e granjeando uma promoção com o major Vidigal.

Existem, de fato, algumas semelhanças entre Leonardo e os personagens picarescos. Uma é a atitude inconsequente do protagonista, que o leva, por exemplo, a esquecer-se rapidamente de Luisinha ao conhecer Vidinha. Depois, o amor antigo retorna, mas nada dá a entender que não possa acabar novamente. Essas semelhanças, porém, são superficiais, por isso é problemática a classificação de
 “Memórias de um Sargento de Milícias como romance picaresco. 

O que se vê é que
 Manuel Antônio de Almeida foge completamente ao idealismo romântico de sua época. Se há traços românticos em sua obra, eles estão no tom irônico e satírico que assume o narrador.

A conclusão possível é que estamos diante de um novo gênero nacional, que se constrói em torno da figura do malandro, personagem que tem influências popularescas, como Pedro Malasarte; mas é urbano e relaciona- se socialmente com as esferas da ordem e da desordem, já citadas.
 

É mais apropriado, por isso, classificar essa obra como um “romance malandro”, de cunho satírico e com elementos de fábula. Esse gênero frutificará em vários romances posteriores, como
 “Macunaíma”, de Mário de Andrade, e “Serafim Ponte Grande”, de Oswald de Andrade.


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"Segurança" - Luis Fernando Veríssimo

O ponto de venda mais forte do condomínio era a sua segurança. Havia as belas casas, os jardins, os playgrounds, as piscinas, mas havia, acima de tudo, segurança.
Toda a área era cercada por um muro alto. Havia um portão principal com muitos guardas que controlavam tudo por um circuito fechado de TV. Só entravam no condomínio os proprietários e visitantes devidamente identificados e crachados.
Mas os assaltos começaram assim mesmo. Ladrões pulavam os muros e assaltavam as casas.
Os condôminos decidiram colocar torres com guardas ao longo do muro alto. Nos quatro lados. As inspeções tornaram-se mais rigorosas no portão deentrada. Agora não só os visitantes eram obrigados a usar crachá. Os proprietários e seus familiares também. Não passava ninguém pelo portão sem se identificar para a guarda. Nem as babás. Nem os bebês.
Mas os assaltos continuaram.
Decidiram eletrificar os muros. Houve protestos, mas no fim todos concordaram. O mais importante era a segurança. Quem tocasse no fio de alta tensão em cima do muro morreria eletrocutado. Se não morresse, atrairia para o local um batalhão de guardas com ordens de atirar para matar.
Mas os assaltos continuaram.
Grades nas janelas de todas as casas. Era o jeito. Mesmo se os ladrões ultrapassassem os altos muros, e o fio de alta tensão, e as patrulhas, e os cachorros, e a segunda cerca, de arame farpado, erguida dentro do perímetro, não conseguiriam entrar nas casas. Todas as janelas foram engradadas.
Mas os assaltos continuaram.
Foi feito um apelo para que as pessoas saíssem de casa o mínimo possível. Dois assaltantes tinham entrado no condomínio no banco de trás do carro de um proprietário, com um revólver apontado para a sua nuca. Assaltaram a casa, depois saíram no carro roubado, com crachás roubados. Além do controle das entradas, passou a ser feito um rigoroso controle das saídas.
Para sair, só com um exame demorado do crachá e com autorização expressa da guarda, que não queria conversa nem aceitava suborno.
Mas os assaltos continuaram.
Foi reforçada a guarda. Construíram uma terceira cerca. As famílias de mais posses, com mais coisas para serem roubadas, mudaramse para uma chamada área de segurança máxima. E foi tomada uma medida extrema. Ninguém pode entrar no condomínio. Ninguém. Visitas, só num local predeterminado pela guarda, sob sua severa vigilância e por curtos períodos.
E ninguém pode sair.
Agora, a segurança é completa. Não tem havido mais assaltos. Ninguém precisa temer pelo seu patrimônio. Os ladrões que passam pela calçada só conseguem espiar através do grande portão de ferro e talvez avistar um ou outro condômino agarrado às grades da sua casa, olhando melancolicamente para a rua.
Mas surgiu outro problema.
As tentativas de fuga. E há motins constantes de condôminos que tentam de qualquer maneira atingir a liberdade.
A guarda tem sido obrigada a agir com energia.

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"Os sertões" - Euclides da Cunha

Texto I - trecho da primeira parte da obra: "A terra"

"Então, a travessia das veredas sertanejas é mais exaustiva que a de uma estepe nua.
Nesta, ao menos, o viajante tem o desafogo de um horizonte largo e a perspectiva das planuras francas.
Ao passo que a caatinga o afoga; abrevia-lhe o olhar; agride-o e estonteia-o; enlaça-o na trama espinescente e não o atrai; repulsa-o com as folhas urticantes, com o espinho, com os gravetos estalados em lanças; e desdobra-se-lhe na frente léguas e léguas, imutável no aspecto desolado: árvores sem folhas, de galhos estorcidos e secos, revoltos, entrecruzados, apontando rijamente no espaço ou estirando-se flexuosos pelo solo, lembrando um bracejar imenso, de tortura, da flora agonizante . . ."
(Euclides da Cunha. "Os sertões". São Paulo, Círculo do Livro, 1975, p. 38)

espinescente: que cria espinhos
estepe: vasta planície ou região semidesértica
flexuoso: sinuoso, ondulante
urticante: que queima como urtiga
vereda: trilha que marca o rumo a seguir

Texto II - Trecho da segunda parte da obra: "O homem"

"O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.
A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas.
É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gingante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados. Agrava-o a postura normalmente abatida, num manifestar de displicência que lhe dá um caráter de humildade deprimente. A pé, quando parado, recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou parede que encontra; a cavalo, se sofreia o animal para trocar duas palavras com um conhecido, cai logo sobre um dos estribos, descansando sobre a espenda da sela. Caminhando, mesmo a passo rápido, não traça trajetória retilínea e firme. Avança celeremente, num bambolear característico, de que parecem ser o traço geométrico os meandros das trilhas sertanejas. E se na marcha estaca pelo motivo mais vulgar, para enrolar um cigarro, bater o isqueiro, ou travar ligeira conversa com um amigo, cai logo — cai é o termo — de cócoras, atravessando largo tempo numa posição de equilíbrio instável, em que todo o seu corpo fica suspenso pelos dedos grandes dos pés, sentado sobre os calcanhares, com uma simplicidade a um tempo ridícula e adorável.
É o homem permanentemente fatigado.
Reflete a preguiça invencível, a atonia muscular perene, em tudo: na palavra remorada, no gesto contrafeito, no andar desaprumado, na cadência langorosa das modinhas, na tendência constante à imobilidade e à quietude.
Entretanto, toda esta aparência de cansaço ilude.
Nada é mais surpreendedor do que vê-la desaparecer de improviso. Naquela organização combalida operam-se, em segundos, transmutações completas. Basta o aparecimento de qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das energias adormidas. O homem transfigura-se. Empertiga-se, estadeando novos relevos, novas linhas na estatura e no gesto; e a cabeça firma-se-lhe, alta, sobre os ombros possantes aclarada pelo olhar desassombrado e forte; e corrigem-se-lhe, prestes, numa descarga nervosa instantânea, todos os efeitos do relaxamento habitual dos órgãos; e da figura vulgar do tabaréu canhestro reponta, inesperadamente, o aspecto dominador de um titã acobreado e potente, num desdobramento surpreendente de força e agilidade extraordinárias."
(Idem, p. 92-93)

adormido: adormecido.
atonia: perda do tônus, das forças.
estadear: manifestar, demonstrar.
Hércules: personagem da mitologia, caracterizado por ter uma força incomum.
neurastênico: fraco, irritado.
Quasímodo: personagem corcunda da obra "O corcunda de Notre Dame", de Victor Hugo
remorado: adiado, retardado.
tabaréu: soldado inexperiente; pessoa inapta para fazer alguma coisa; caipira.
titã: personagem da mitologia; pessoa dotada de força extraordinária.
transmutação: ato ou efeito de transformar-se.

Texto III - Trecho da terceira parte da obra: "A luta"

Decididamente era indispensável que a campanha de canudos tivesse objetivo superior à função estúpida e bem pouco gloriosa de destruir um povoado dos sertões. Havia um inimigo mais sério a combater, em guerra mais demorada e digna. Toda aquela campanha seria um crime inútil e bárbaro, se não se aproveitassem os caminhos abertos à artilharia para uma propaganda tenaz, continua e persistente, visando trazer para o nosso tempo e incorporar à nossa existência aqueles rudes compatriotas retardatários. 
[...]
Fechemos este livro.
Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados."

(Idem, p. 405 e 476)

Texto IV - Prefácio feito por José Saramago para o livro "Terra", de Sebastião Salgado


"No dia 17 de abril de 1996, no estado brasileiro do Pará, perto de uma povoação chamada Eldorado dos Carajás (Eldorado: como pode ser sarcástico o destino de certas palavras...), 155 soldados da polícia militarizada, armados de espingardas e metralhadoras, abriram fogo contra uma manifestação de camponeses que bloqueavam a estrada em ação de protesto pelo atraso dos procedimentos legais de expropriação de terras, como parte do esboço ou simulacro de uma suposta reforma agrária na qual, entre avanços mínimos e dramáticos recuos, se gastaram já cinqüenta anos, sem que alguma vez tivesse sido dada suficiente satisfação aos gravíssimos problemas de subsistência (seria mais rigoroso dizer sobrevivência) dos trabalhadores do campo. Naquele dia, no chão de Eldorado dos Carajás ficaram 19 mortos, além de umas quantas de dezenas de pessoas feridas.

Passados três meses sobre este sangrento acontecimento, a polícia do estado do Pará, arvorando-se a si mesmas em juiz numa causa em que, obviamente, só poderia ser a parte acusada, veio a público declarar inocentes de qualquer culpa os seus 155 soldados, alegando que tinham agido em legítima defesa, e, como se isto lhe parecesse pouco, reclamou processamento judicial contra três dos camponeses, por desacato, lesões e detenção ilegal de armas. O arsenal bélico dos manifestantes era constituído por três pistolas, pedras e instrumentos de lavoura mais ou menos manejáveis. Demasiado sabemos que, muito antes da invenção das primeiras armas de fogo, já as pedras, as foices e os chuços haviam sido considerados ilegais nas mãos daqueles que, obrigados pela necessidade a reclamar pão para comer e terra para trabalhar, encontraram pela frente a polícia militarizada do tempo, armada de espadas, lanças e alabardas. Ao contrário do que geralmente se pretende fazer acreditar, não há nada mais fácil de compreender que a história do mundo, que muita gente ilustrada ainda teima em afirmar ser complicada demais para o entendimento rude do povo."

(José Saramago. In: Sebastião Salgado. "Terra". São Paulo, Companhia das Letras, 1977, p. 11)

alabarda - arma antiga, formada por haste de madeira em ferro largo e pontiagudo, atravessado por outro em forma de meia-lua.
chuço - vara ou pau armado de ponta de ferro ou de aço.
simulacro - ação simulada, falsificação


Atividade - textos I, II, III e IV

1    
  1.      De acordo com o texto I, como se caracteriza o lugar onde vive o sertanejo?
  2.      No texto II, contrapondo o sertanejo ao homem do litoral, o narrador descreve os aspectos contraditórios da constituição física e do comportamento do sertanejo.
a)    Explicite essa contradição.
b)    Que personagens da literatura forma utilizadas para dar ideia de quanto a figura do sertanejo é contraditória?
c)    Na oposição entre o homem do litoral e o sertanejo, interprete: Quem é o mais forte, segundo do ponto de vista do narrador? Justifique sua resposta.

  1.     No 1º parágrafo do texto III, o autor critica a guerra em si e afirma que outra “guerra mais demorada e digna” deveria ser travada. Qual é essa guerra?

  1.     No texto IV, José Saramago comenta  o massacre ao movimento dos sem-terra ocorrido em Eldorado dos Carajás, no Pará, em 1996. Compare o texto de Saramago aos outros três textos.
a)    O que há de comum entre o movimento de Canudos e a luta pela reforma agrária encabeçada pelo movimento dos sem-terra?
b)    Que semelhanças existem entre o massacre de Carajás e o de Canudos quanto às condições de armamento dos soldados e da população civil?
c)    Que semelhança existe entre a versão oficial dada à guerra de Canudos e a apuração que a própria polícia fez dos atos de violência cometidos em Carajás?



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